Quando a arte vem de família. Confira a entrevista com o artista e produtor musical Tito Vinícius

Absorver a atmosfera sonora da tribo Tupinambá de Olivença (BA) e produzir um EP misturando elementos eletrônicos, indígenas e os elementos da natureza. Foi com esse objetivo que Tito Vinícius embarcou em um ônibus saindo de Salvador rumo a Ilhéus, Bahia.

Pesquisador de sensações sonoras, Tito é músico soteropolitano, tecladista, arranjador, produtor musical, compositor e DJ. Teve contato com o mundo musical desde cedo, começando a trilhar sua carreira profissional atuando em bandas baianas de diversos estilos musicais e trabalhando com artistas da Bahia e do cenário nacional. Durante sua residência na aldeia Itapõa (Tupinambá de Olivença), Tito aproveitou para produzir o artista indígena Yaru Tupinambá.

Confira a entrevista:

AEI: Como nasce um artista?
Tito Vinícius: Acho que nasce principalmente das referências e buscas filosóficas, no meu caso meu pai era um artista, compositor, tocava violão e minha casa sempre foi recheada de música e arte. Minha mãe é uma professora de literatura e língua portuguesa, escreve algumas coisas também e só tem um pequeno livro editado. Além de várias outras referências na infância e adolescência. Quando se vive cercado de arte acho que é inevitável seguir pelo caminho da arte como profissão.

AEI: Por que arte digital?
Tito Vinícius: Simplesmente porque seguimos evoluindo, buscando novas ferramentas para fazer a nossa arte. A arte sempre foi e será tecnológica, no sentido de usar ferramentas, instrumentos, falando da música, desde o primeiro ser humano que emitiu sons melódicos ou usou um pedaço de pau para bater em um tronco. E seguimos até hoje usando os instrumentos que estão ao nosso alcance para criar e passar nossas sensações. Como temos aparelhos digitais e eletrônicos fazemos música com eles também. Fazer música com tudo que está ao nosso alcance que é a onda. Rsrs

AEI: Como você vê o impacto do digital na arte? E se você não é “nativo digital”, qual foi seu salto para chegar a isso?
Tito Vinícius: Esse impacto é inevitável, vivemos no mesmo mundo e quem tem acesso vai usar as ferramentas que estiver a mão, não tenho nostalgia e sim respeito e amor pelas raízes, quando fazemos algo “novo” não quer dizer que o “velho” não presta mais, sem o velho não tem o novo. O velho são as referências. Na verdade, acho que nem existe o novo. No máximo uma nova forma de “remixar” o velho. O novo pode ser também uma nova ótica sobre o velho. Se deixar falo demais. Tem um vídeo documentário que gosto muito “Tudo é um remix” não sei o autor. https://www.youtube.com/watch?v=yoIZzk31OMg Esse documentário tem base nesse pensamento.

Sobre o meu salto para chegar até a música eletrônica foi natural, meu instrumento principal é o piano, quer dizer teclado, que já é um instrumento eletrônico, para entender e configurá-lo é preciso entender um pouco de tecnologia, então o estudo da música se somou ao estudo da tecnologia e fui evoluindo, fiz curso de manutenção de computadores, estudei programas de áudio digitais DAW’s (Digital Audio Workstation) sempre paralelo a música, estética, concepção e produção musical. Cheguei até aqui e se me for permitido continuarei tentando evoluir.

AEI: De onde vem sua inspiração para criar?
Tito Vinícius: Vem do dia a dia. Vem das pequenas coisas, vem de mim mesmo, de minhas buscas, das buscas dos outros misturadas com as minhas, principalmente quando estou como produtor musical. Como artista essa é a minha vida e o meu trabalho.

AEI: Quais os desafios de criar em conjunto com outras pessoas?
Tito Vinícius: Na minha opinião nunca se cria sem ser em conjunto. Vivemos em sociedade, é intrínseco do nosso ser. Até o que achamos que criamos sozinhos usamos referências de várias outras pessoas, símbolos, coisas, elementos…

Os desafios são vários, dos egos, das escolhas, da comunicação, do sensorial. Música para mim é sentimento, metafisica, espiritualidade, energia, comunhão. Tem que ter troca e movimento.

AEI: Por que o interesse pelo AEI? O que espera dele?
Tito Vinícius: Para mais aprendizado e evolução da minha arte busco sempre novas experiências. O AEI é uma experiência única. Antes do projeto já tinha um esboço de um EP com atmosfera indígena, elementos da natureza e música eletrônica e o AEI apareceu como um presente para desenvolver esse trabalho. E ainda como um presente maior vou produzir Yaru Tupinambá, um artista talentoso e inquieto. Assim como eu. (Hehe)

Tive pouco contato com a cultura indígena, mas sempre me tocou profundamente, tenho certeza que tenho raízes nessa cultura que precisam ser protegidas e reforçadas. Para mim participar do projeto é também fazer parte de uma resistência cultural. Arte é Resistência! Espero do AEI que continue, que aumente sua força, que sempre propicie o todo e a positividade. A arte eletrônica e a indígena. É isso.

AEI: Comente como foi viver este processo de residência na comunidade indígena e como essa experiência contribuiu para o seu desenvolvimento artístico.
Tito Vinícius: Essa vivência foi incrível, um aprendizado único, veio reforçar para mim como artista e produtor musical que quanto mais nos livramos de amarras, preconceitos e fórmulas prontas, mais evoluímos com os nossos trabalhos musicais. Tanto para amplificar o que tem de melhor em um artista como Yarú Tupinambá quanto para sentir um pouco da cultura indígena que é tão diversa e pouco conhecida, e traduzi-la em nossas obras. Saí energizado e ciente de que a pesquisa nunca acaba. E isso que nos faz continuar e evoluir.

AEI: Como a sua arte dialogou com a arte indígena?
Tito Vinícius: O diálogo artístico aconteceu. Para mim é o que importa. Não dá pra mensurar o resultado final disso. Acho que consegui um equilíbrio legal entre a música pop/eletrônica e a música indígena. Nasceram quatro músicas de Yarú. Ele trouxe as mensagens e atmosfera indígena e colocamos em estilos de música eletrônica como o House, o Dub, o Jungle e o Reggaeton. Uma das músicas já está sendo finalizada – “Somos Tupinambá’. E as outras serão também, todas serão disponibilizadas na net. A música é uma arte altamente sensorial e universal, usei de elementos eletrônicos mas principalmente pensando em texturas naturais e sobrenaturais. Ainda estou em processo de produção de 4 músicas instrumentais minhas, eletrônicas, com 4 estilos diferentes e cada uma com o tema de um elemento da natureza: Água, terra, fogo e ar. A intenção é usar a música pop/eletrônica para amplificar a resistência cultural indígena, mostrar que sabemos muito pouco dessa cultura tão rica e diversa. Sabemos que o sistema tem uma certa aversão à diversidade, por usar padrões, mas o papel do artista é ser a resistência no sistema, usando a mesma tecnologia que ele!

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