“O artista nasce quando o resultado do seu trabalho passa a afetar de alguma forma o espectador”. Confira a entrevista com Davy Alexandrisky, fotógrafo e artista selecionado pelo AEI

“Estimular o diálogo transgeracional a partir da produção de imagens”. Essa é a proposta do bom humorado fotógrafo Davy Alexandrisky para os nove dias que irá passar junto ao povo Pataxó do extremo sul da Bahia, mais precisamente na aldeia 2 irmãos.

Com uma história de 50 anos na fotografia, Davy percorreu os caminhos da publicidade, do fotojornalismo, da fotografia industrial e social. Agora irá somar a esta trajetória a mediação transgeracional através da arte de desenhar com a luz: para isso os indígenas jovens irão fotografar a vida dos indígenas idosos, enquanto os idosos farão o mesmo em relação aos jovens; brincando de “Caçar Imagens”. Tudo isso entre 04 e 13 de julho. Confira abaixo a entrevista que Davy concedeu ao AEI.

AEI: Como nasce um artista?
Davy: Um dia eu fui interpelado na rua por uma moça que queria uma informação sobre um determinado endereço. Até aí nada. Todo mundo, e eu mesmo, já foi parado várias vezes na rua para dar esse tipo de informação. O detalhe é que, para o meu espanto naquele momento, ela usou o tratamento Sr. para me abordar: nascia ali um idoso. Depois de 50 anos fotografando profissionalmente fica um pouco difícil responder quando me tornei um artista, ou mesmo se sou um artista, como me chamam. Eu diria que tanto quanto não me acostumei a ser chamado de Sr. – embora seja um Sr. – ainda não me acostumei a ser chamado de artista – se assim o for. Assim como idosos, artistas não são frutos de uma geração com tempo preciso conhecido, como a de um bebê, nem tampouco resultado de um cruzamento natural e único. Mas arriscaria dizer que um artista nasce quando o resultado do seu trabalho passa a afetar de alguma forma o espectador da sua atividade. Quando, por alguma razão, o seu trabalho o retira de sua zona de conforto. Quando faz o espectador refletir de forma crítica ao que está vendo.

AEI: Por que arte digital?
Davy: No meu caso particular a pergunta mais adequada seria: por que não arte digital?
Explico: sou de uma geração de fotógrafos que reagiu muito à mudança do analógico para o digital. Demorei muito a “migrar” para a tecnologia digital. Hoje, absolutamente encantado com a liberdade de criação oferecida pela tecnologia digital fico me perguntando por que demorei tanto a ceder a uma realidade que se mostrou inexorável com quem reagiu contra. A fotografia por ser digital não desmentiu sua etimologia – foto = luz / grafia = escrita – e permanece sendo a escrita da luz, usando a luz e a sombra como elementos básicos da sua linguagem.
Mas deu total e absoluta liberdade para que o artista fotográfico vá muito além do fotografar, apenas. A partir da fotografia digital rompemos às limitações foto-químicas para nos tornamos “produtores de imagens”, que é mais do que ser fotógrafo. Melhor dizendo, somos duas vezes fotógrafos: fotógrafos quando captamos a imagem e mais uma vez fotógrafos quando temos a possibilidade de “re-fotografar” a foto, digitalmente.

AEI: Como você vê o impacto do digital na arte? E se você não é “nativo digital”, qual foi seu salto para chegar a isso?
Davy: Talvez, mera especulação, o grande impacto do digital na arte seja a democratização da possibilidade do indivíduo se expressar artisticamente. O digital não veio anular o talento inato nem as habilidades específicas de um artista. Ao contrário, ele pode até potencializar tais habilidades. Mas o digital abre portas àqueles que sem essas habilidades inatas e específicas no campo das artes tradicionais possam se expressar através de uma linguagem artística. E isso é tremendamente impactante numa área, até então, de “reserva de mercado natural”. E, sobretudo, pela radical mudança no campo da oferta de “arte”: de escassa para abundante. Enfim, é tudo muito novo para se afirmar com segurança os reais impactos do digital na arte. Eu não só não sou “nativo digital”, como já mencionei anteriormente, como demorei a me enquadrar no processo digital. E não o fiz de forma espontânea. Fui praticamente empurrado pelas circunstâncias, diante da falência dos processos analógicos. Por tudo isso eu não diria que dei um “salto” para chegar aonde me encontro hoje. Ao contrário, experimentei um longo processo de adaptação continuada, que ainda não considero encerrado (continuo experimentando esse processo). Travo uma luta diária para me apropriar da tecnologia digital. Dessa feita não mais por reação conceitual, mas por pura limitação cognitiva.

AEI: De onde vem sua inspiração para criar?
Davy: Dos meus percursos. Posso garantir que qualquer ato criativo que desenvolvo tem embutido 68 anos de conversas, 68 anos de leituras, 68 anos de escuta musical, 68 anos de filmes assistidos, 68 anos de viagens, 68 anos…

AEI: Quais os desafios de criar em conjunto com outras pessoas?
Davy: Engraçado que o primeiro pensamento que me ocorre diante dessa pergunta é aquela tradicional frase atribuída ao pensador mercadológico, Felipe Schmitt-Fleischer: “O camelo foi um cavalo construído por um comitê”.
Ou seja, criar em conjunto “dá ruim”. Digo, engraçado, porque, na verdade, tenho dificuldade de ir sozinho à padaria na esquina da minha casa. Sempre que me é permitido opto por fazer qualquer “coisa” em conjunto: acho ótimo! Mas, sim, há desafios a serem superados para um processo de criação coletiva. A minha experiência pessoal, no entanto, me autoriza afirmar que todos os desafios podem ser resumidos num único desafio, que fecha essa equação: capacidade de escuta. Superada a dificuldade cultural de “escutar o outro”, característica do ocidente, criar em conjunto com outras pessoas é o estado da arte! Os orientais, de um modo geral, exercitam muito bem esse processo de escutar o outro.

AEI: Por que o interesse pelo AEI? O que espera dele?
Davy: Eu diria com muita segurança que dentre todos os meus desejos no campo artístico o processo está sempre à frente dos resultados possíveis. E dentre os processos que eu já tive a oportunidade de exercitar, o de Residência Artística é o que mais me encanta. Nesse caso específico do AEI soma-se ao interesse pelo processo de Residência Artística, à possibilidade de um novo percurso com uma Cultura praticamente desconhecida por mim. Uma extraordinária oportunidade de aprendizado que, com certeza, irá afetar qualquer próxima proposta artística na minha vida. Outro aspecto que vale destacar é que, na qualidade de Ponteiro de Ponto de Cultura, há muitos anos acompanho o trabalho da Organização Thydêwá e sempre tive o maior interesse de desenvolver um projeto em conjunto com o seu Ponto de Cultura. Minhas expectativas, obviamente, são as melhores possíveis. Não sei bem se é o que mais espero ou o que mais desejo, mas tudo o que eu quero com essa participação no AEI é que a minha Residência Artística na Aldeia Dois Irmãos, na aprazível Cumuruxatiba, seja tão somente um momento inaugural de muitas outras parcerias com a Thydêwá.

Mais sobre o artista: http://davyfotografia.com.br

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